fuck shrek, I got the blues

Fim de semana eremita. Não se sai de casa, apesar do calor convidar a uma ou outra ida à praia. Recusam-se convites para ir aqui ou ali, simplesmente porque sim, nada de maldade ou contragosto. Acorda-se tarde e deita-se tarde, contas simples, 1+1=2. Pouco se faz senão ouvir música e ver filmes.
Um fim de semana à algarvio, diria certa pessoa.
Dos filmes vistos destacam-se quatro: This Film is Not Yet Rated, Kiss Kiss Bang Bang, Black Snake Moan e Half Nelson.
O primeiro anuncia-se como um mockumentary, talvez querendo suavizar a seriedade do tema. Analisa e tenta explicar o sistema de classificação dos filmes nos Estados Unidos, apresentando uma imagem negra, de uma instituição dominada pela obscuridade e secretismo, extremamente influenciável pelos poderes dominantes e com pretensões de influenciar e ditar a lei no cinema existente naquele país. Ao fim e ao cabo não passa de mais uma entidade expoente do capitalismo americano tão odiado por esse mundo fora, usando a capa de defensora da moral e bons costumes para cobrir o sucesso ou o domínio financeiro.
Não vi Kiss Kiss Banf Bang quando estreou em 2005, apesar das boas críticas. Vi-o agora e fiquei satisfeito. Shane Black não teve pudor em "parodiar" um género que ajudou a consolidar. O parodiar está entre aspas para não haver confusões com certos filmes que ao parodiar acabam por denegrir o género.
Em Kiss Kiss Bang Bang a coisa actua mais como um reconhecimento, com Robert Downey Jr. a ser o narrador de serviço. Tipo nervoso, muito pouco descontraído, não é aquilo que se espera de um narrador. Depois de ver o filme ainda fiquei a apreciar mais as capacidades de Downey Jr., veremos como se porta em Ironman. Não duvido que se o filme falhar não será por culpa dele. Ah, já agora, depois de ter visto este filme fiquei fã da sra Michelle Monaghan, por outros motivos.
Seguiu-se Half Nelson que também não havia visto. Vale sobretudo por duas coisas: a interpretação de Ryan Gosling e a acuidade dos temas tratados. Ao mesmo tempo que acompanhamos a vida do professor (Gosling) viciado em crack é-nos proposta um olhar sobre vários momentos da história social norte-americana que definiram a sociedade deste país e a sua influência no mundo, desde as manifestações pelos direitos civis, o fim da segregação racial até à deposição do governo de Allende no Chile e a colocação de Pinochet no poder sob a alçada americana.
Half Nelson trata a dualidade existente na América e, se quisermos, no mundo Ocidental. O bem e o mal, a literacia e a ignorância, a pressão constante e os escapes que se apresentam tão fáceis e ao alcance de todos. Mostra-nos também a inevitabilidade de certos acontecimentos, certas vidas e o rumo que estas seguem, sem conseguir fugir ao ambiente em que estão inseridas.
O último filme que vi foi Black Snake Moan. Ainda não estreou cá, nem sei se tem data de estreia. Toda a imagética que gira em torno do filme faz-nos crer que se trata de um filme da série B, da BlackExploitation que teve o seu auge nas décadas de 70 e 80.
Em traços largos, a narrativa do filme centra-se em Lazarus, antigo bluesman interpretado por Samul L. Jackson e em Rae, uma ninfomaníaca interpretada por Christina Riccie. Depois de ser abandonado pela mulher Lazarus encontra Rae inconsciente no meio da estrada e propõe-se a "tirar o diabo" no corpo desta jovem, acorrentando-a, como meio de a impedir de sair de casa, quanto mais manter qualquer relação sexual.
Os mais críticos dirão que se trata de um filme que explora a condição da mulher, fazendo-a parecer fraca face à força moral deste homem. Não podia estar mais longe da verdade. As falhas estão lá, em ambos os lado. A raiva, a solidão e a fraqueza estão presentes em todos, mas não foi por isso que o filme me chamou a atenção.
Os blues são a força motriz do filme, os blues do delta do Mississipi, das relações falhadas entre homem e mulher, dos corações destroçados, da desilusão, da pobreza, das falhas do Homem.
Black Snake Moan é o nome de uma música de blues gravada em 1927 por Blind Lemom Jefferson, daí a ligação bluesiana. Samuel L. Jackson toca pelo menos quatro exemplares deste estilo musical ao longo do filme de forma exemplar, tendo aprendido a tocar para o efeito.
Feita a transição da guitarra acústica para a eléctrica as coisas mudam. A rudeza das canções, o ambiente circundante, a tudo isto a electricidade empresta outra dimensão. No fundo os blues são a constante catarse do homem face às dores do dia a dia, das falhas e imperfeições que nascem connosco.
Black Snake Moan não é perfeito, mas, tal como os blues serve para contar uma história, e isso fá-lo muito bem. Com umas das melhores performances de Jackson nos últimos anos depois do desvario das motherfucking snakes, vale a pena ver. Algures, por aí, numa data a definir.

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